segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Cartaz do Filme Serras da Desordem de Andrea Tonacci


O filme Serras da Desordem será exibido durante a I Mostra Universitária de Cinema da Unesp-FFC e logo após a exibição acontecerá um debate entre o diretor Andrea Tonacci, a montadora Cristina Amaral, o proressor de antropologia Sergio Domingues e a professora de sociologia Célia Tolentino. Dia 03/10, as 20h no anfiteatro do campus I - Av. Higino Muzzi Filho, 737 - Marília-SP.

terça-feira, 16 de agosto de 2011

DOCUMENTÁRIO (1966), primeiro curta-metragem do cineasta ROGÉRIO SGANZERLA e fotografado por ANDREA TONACCI


As conversas e as aventuras de dois jovens que decidem ir ao cinema, mas, uma vez que têm critérios extremamente rígidos para escolher em qual filme, acabam não vendo nada.

Rogério Sganzerla/Andrea Tonacci/Vitor Latufo/Marcelo Magalhães


"O ponto de partida de nossos filmes deve ser a instabilidade do cinema como também de nossa sociedade, de nossa estética, de nossos amores e do nosso sono. Por isso, a câmera é indecisa; o som fugidio; os personagens medrosos. Nesse país tudo é possível, e por isso o filme pode explodir a qualquer momento" ... "Cinema fora da lei", manifesto escrito por Rogério Sganzerla em maio de 1968.

Andrea Tonacci: "Foi tudo filmado entre amigos. Na época, estávamos fazendo contemporaneamente 3 filmes, eu estava fazendo OLHO POR OLHO, Rogério Sganzerla estava fazendo DOCUMENTÁRIO e Othoniel estava fazendo O PEDESTRE. Cuidei da fotografia para todos os 3 filmes e Rogério editou-os. Nós usamos uma Bolex manual de 16. "

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Mulheres que fazem a história do Cinema Nacional - Entrevista com Cristina Amaral


CRISTINA AMARAL


Fonte: acervo de Cristina Amaral

Nascida em São Paulo, Cristina Amaral é uma montadora importante e premiada a serviço do cinema brasileiro. Fã de carteirinha e parceira de primeira hora de Carlos Reichenbach e Andrea Tonacci, para o primeiro monta os filmes desde o belo “Alma Corsária” – alguns curtas e vídeos, e os longas “Dois Córregos”, “Garotas do ABC” e “Bens Confiscados” são os outros. Com Andrea Tonacci montou a Extrema Produção Artística, onde exerce sua arte desde 1997.

Cristina Amaral se encantou pela montagem ainda no curso de cinema na ECA, no início da década de 80. A montadora recebeu o Mulheres na Extrema Produção, uma bela e espaçosa casa, para uma longa, inteligente e agradabilíssima conversa. Na primeira parte da entrevista, Cristina Amaral relembra os tempos de escola, sua passagem pelo universo da publicidade e a polêmica relação cinema x publicidade. Fala sobre seu encontro fundamental com o mestre da montagem, Umberto Martins “Nós temos pessoas que trabalham tecnicamente bem, que constroem, que dão o ritmo, mas eles são uns gênios criadores, inventores” (o outro citado é Sylvio Renoldi).

Cristina Amaral homenageia também o cineasta Chico Botelho, que a indicou para o primeiro trabalho, o cineasta Denoy de Oliveira “Eu não tinha a dimensão do tamanho da nossa amizade, do tamanho do coração dele”, e a diretora Raquel Gerber “È uma pessoa que está sempre presente em minha vida, uma amiga, uma irmã”. Cristina Amaral fala também dos primeiros prêmios, do monopólio e da invasão política do cinema americano, da Ancinav, entre outros assuntos.


Mulheres: Quando foi que você decidiu e disse: quero trabalhar com cinema?

Cristina Amaral: Na verdade, quando eu fui prestar vestibular eu tinha a maior dúvida sobre o que eu realmente queria fazer. Eu gostava de fotografia, eu fotografava, daí eu pensei em alguma coisa meio nesse rumo. Só que mais tarde eu fui perceber que o cinema já estava em minha vida já fazia um tempão.

Há pouco tempo atrás alguém me perguntou como o cinema entrou em minha vida e eu comecei a me lembrar que minha mãe, quando eu era criança, colecionava umas revistas de cinema, que eram tudo sobre cinema americano. Eu nem tinha visto os filmes, mas eu conhecia os artistas, sabia os nomes, se eu visse a cara eu sabia quem era. A coisa que eu mais lembro de ler na infância era essa revista. Depois, quando a gente comprou a primeira tv em casa, eu me lembro que só assistia filme também. Eu me lembro que eu via filme legendado na televisão, filme italiano, francês, espanhol. É engraçado, eu falo para as pessoas da minha geração, mas elas não se lembram muito disso. Tinham os seriados americanos que passavam dublados e tinhas os longas que passavam com legenda. Eu me lembro que era isso que eu assistia na televisão, e era como se isso já estivesse me encaminhando.

Para resolver o que eu queria fazer para prestar vestibular eu fiz teste vocacional, em função da dúvida que eu tinha. Como eu gostava de fotografia e a área que deu no meu teste era comunicação, eu prestei vestibular na ECA. Antes, no começo do curso, tinha o curso básico, em que você tinha aulas de jornalismo, artes plásticas, música, cinema, teatro, tinha tudo isso. E eu sempre pendia meio para esse lado da imagem. Daí quando eu tive que fazer opção dentro do curso eu optei pelo cinema. Fazendo o curso, primeiro foi a fotografia, eu comecei fazendo especialização em fotografia. Até que eu descobri a montagem. Até antes de fazer cinema a gente não sabe como o cinema é feito. Na hora que eu descobri que era na montagem que o filme se estruturava realmente, se constituía o formato, a cara que ele ia ficar depois, foi a opção que eu não larguei mais.


Mulheres: Então sua escolha pela montagem foi no curso?

Cristina Amaral: Foi no curso, eu não tinha a menor noção de como se montava filme antes. Cinema para mim era aquela imagem que eu via, eram os atores, a história ,era aquela imagem. Daí, quando eu conheci o trabalho de montagem, eu descobri qual era mesmo a minha veia dentro do cinema.


Mulheres: Quando você passou da escola para a prática, para o filme mesmo, você começou pela montagem?

Cristina Amaral: Foi pela montagem. Na escola eu ainda fiquei um tempo meio dividida entre a fotografia e a montagem, porque fotografia é uma coisa que eu gosto muito também. Porém, são coisas que você precisa realmente se dedicar, não dá para você se dedicar ao mesmo tempo à fotografia e à montagem, não tem condição. Então a montagem pesou mais para mim porque trabalhava essa parte mais intestina do filme, e que me interessava muito.


Mulheres: Como foi o seu primeiro trabalho?

Cristina Amaral: Primeiro na escola eu fiz um monte de coisas, porque a gente fazia meio de tudo. Quando eu fazia a parte de fotografia, eu era eletricista, era maquinista, carregava cabo trifásico, era tudo. Fiz muita coisa na escola, onde tinha um esquema muito interessante também. Eu participava de filmes de turmas mais velhas e de turmas mais jovens que as minhas. Quando eu saí da escola eu tinha um currículo muito grande.


Mulheres: Quando você saiu?

Cristina Amaral: Eu saí em 1980, oitenta e pouco. Chico Botelho foi meu professor de fotografia, foi uma maravilha. Aliás, ele é uma pessoa que faz muita falta para o cinema brasileiro. O senso de ética que ele tinha, o percurso por várias áreas, por vários grupos do cinema. Por exemplo, tinham grupos que não falavam entre si, então o Chico fazia a ponte entre eles. Ele tinha o espírito de conciliação, não o de botar panos quentes, mas o de buscar o melhor resultado para o cinema brasileiro. Ele foi a pessoa que me indicou para o meu primeiro trabalho profissional, um filme que ele tinha fotografado.

O que acontecia muito naquela época, agora menos, era que o orçamento dos filmes acabava nas filmagens (risos) Aí chegava a hora da montagem, eles tinham um montador, que era meio sócio, meio assistente, porque eles não tinham grana para pagar profissional. Neste filme, eles trabalhavam à noite porque era o horário que eles tinham a moviola. Aí ninguém queria, eles não conseguiam profissional para fazer. Como já fazia tempo que eu fazia coisas com montagem na escola, o Chico me indicou para esse trabalho. E aí eu topei, fiquei feliz da vida, passava dias sem dormir, porque tinha coisa na escola para fazer de dia, e trabalhava a noite inteira. Na época era o máximo, mas pensando hoje era um horror, porque era em um lugar completamente insalubre, uma sala dentro de um laboratório, era horrível. Mas foi o meu primeiro trabalho profissional, o filme chama-se ‘Parada 88´, do José de Anchieta. Foi durante um longo o tempo, mas para um primeiro trabalho é isso mesmo, porque tinha o lance de ganhar experiência. E o fato de estar fazendo com condições profissionais, com responsabilidade, já é uma outra história.


Mulheres: Para esse trabalho você foi indicada pelo Chico. Agora como foi para dar continuidade, o passo seguinte? O que modificou dentro do exercício da sua arte?

Cristina Amaral: Ao mesmo tempo eu fiquei fazendo curtinhas com os amigos, que era um por ano que a gente fazia (risos). Mas aí esse montador, Jair Correa, me chamou para um outro trabalho, para fazer assistência.O filme era o “João Juca Jr”, dirigido pelo Denoy de Oliveira, e produzido pela Maracy Mello, que já foi num esquema muito melhor. Mais tarde, o José de Anchieta, que foi o diretor do primeiro filme (“Parada 88”), dirigiu um episódio para o Globo Repórter e me chamou para montar. Eu fui feliz, mas foi uma pauleira, um trabalho que depois a Globo detonou, não era do jeito que eles queriam, eles distorceram completamente o trabalho. A gente montou numa produtora chamada Beca, aqui em São Paulo,de um pessoal super bacana, o Paulo Antero e a Marlene Barbosa eram os donos.

Um dia, o Paulo passou na moviola em um fim de tarde, e eu estava lá trabalhando cheia de cortes esparramados pela sala, porque a gente teve que montar uma coisa que era trabalho para um mês ,em uma semana, e eu não tinha assistente, tinha que fazer tudo. Então era uma loucura. Na hora que eu estava saindo ele me disse para deixar o telefone com a secretária, que se pintasse algum trabalho eles me chamariam. Deixei, não confiando muito, achando que era gentileza dele. Achei bacana, mas eles tinham um montador fixo na casa, era uma produtora de publicidade. Daí passou um mês e pouco e ele me chamou. O montador teve um problema de saúde e ele me chamou para montar uns comerciais.

Foi aí que eu tremi nas bases. Na verdade, eu nem tinha saído direito da escola, eu estava terminando as coisas por lá ainda, e ele me chamou para montar publicidade. O outro, o Globo Repórter, era uma coisa, uma ficção entremeada por entrevistas, para passar na televisão, foi uma montagem que não tinha muita diferença com o que vinha trabalhando na escola. Mas publicidade já exigia que eu conhecesse coisas de trucagem, de efeitos, pois é disso que a publicidade vive. Eu apanhei um pouco, ali eu percebi a minha inexperiência. Sempre que me chamavam para um trabalho eu ia meio com um frio na espinha, mas eu ia, era sempre algo que estava dentro do que eu estava acostumada a fazer. Ali pintou algo que eu desconhecia, então eu percebi que eu não podia ir assim achando que já estava pronta, que eu já era uma montadora pronta, porque eu não era.

Mesmo com o medo que eu ia.sempre, eu sabia que o básico eu dava conta de fazer. Mas quando eu me deparei com essa situação eu contei com a generosidade enorme deles, mas eu senti que eu tinha muito que aprender ainda. E tinha coisas que eu fazia, que era de um jeito meio empírico mesmo. Eu pensava, “não é possível, isso aqui é uma linha reta e eu estou fazendo ziguezague, tem que ter um jeito melhor”. E o jeito era aprender com quem já sabia, com quem estava fazendo. Então eu dei uma brecada nesse trajeto de montadora e fui buscar, fazer assistência, porque eu achei que era o jeito de fazer. A gente tem que ter essa humildade, sem o peso da palavra, mas o reconhecimento de que a gente tem que aprender. Hoje eu sei que a gente tem que aprender sempre, mas quando você sai da escola, você sai com aquele gás todo. A gente tem que aprender que tem pessoas que já estão há dez, vinte anos, trabalhando, e eu vi que eu tinha que aprender com essas pessoas.

Aí sentei na minha maquininha de escrever, pois naquela época eu não tinha computador ainda, escrevi o meu currículo e mandei para um monte de lugares. Peguei lista de tudo quanto produtora que tinha e mandei. Era todo um processo, tirar xerox, botar no correio e depois ligar para os caras. Foi um processo árduo, recebi muito não, inclusive por causa do currículo, pois tinha gente que dizia que com aquele currículo não podia me chamar para fazer estágio, que eu já tinha feito muita coisa. Eu nem estava pedindo para ser contratada, eu estava querendo fazer estágio. Até que um dia um finalizador - porque as produtoras de publicidade não tinham assistente de montagem, acho que até hoje não tem muito -chamado Claudinho, topou que eu fizesse, a produtora chamava-se Phatom. Aí eu fui lá fazer o estágio. Era uma produtora que trabalhava com orçamentos grandes, eles faziam comerciais importantes, mas faziam um filme ou dois por mês, era pouca coisa.

Então eu ia para lá, levava um livro para não entrar naquele ti-ti-ti de publicidade que era um horror. Foi lá que eu percebi que as pessoas mais suscetíveis à publicidade são os publicitários. Eles estavam sempre com a roupa da moda, o relógio da moda, o perfume da moda. Hoje eu não sei se é assim, mas naquela época o pessoal fixo das produtoras trabalhava muito, ganhava muito mal, mas achava o máximo porque estavam fazendo publicidade. E o tempo inteiro tinha alguém vendendo alguma coisa dentro da produtora, todo mundo comprava, viviam cheios de dívidas. Eu não entendia aquilo e não gostava nem de chegar perto.Aí então eu levava um livro e ficava lá num canto da sala de montagem.

Eu não via nem o montador da casa, pois não chegava filme. Até que um dia chegou um cara, um grandão forte, e chamou todo mundo para ver o copião. Eu fiquei quieta no canto, eu não era funcionária, mas ele me viu e me chamou para ver também. Perguntou-me o que fazia ali e eu disse que queria fazer estágio de finalização, acompanhar a parte de trucagem, aprender essa parte de laboratório. Depois de meia hora fiquei só eu na sala, porque as pessoas não tinham a menor paciência para ver copião bruto. Eu fiquei acompanhando e ele disse para eu voltar de tarde para continuarmos. Esse montador, eu tive a maior sorte, eu acho que hoje é o maior montador do Brasil, porque se a gente tinha dois grandes, um era Sylvio Renoldi e ele era o outro. Nós temos pessoas que trabalham tecnicamente bem, que constroem, que dão o ritmo, mas eles são uns gênios criadores, inventores. Até me emociona falar dessas pessoas porque o que eles faziam era transformar. Eles recebiam um material e devolviam um filme maior e melhor. Em publicidade a gente sabe que é isso, os caras gastam um longa-metragem para dar trinta segundos ruins, fracos, raramente são bons. E muito mais raramente são geniais.

Eu via aquele monte de material e dizia “Meu Deus do Céu!”. E esse montador, que se chama Umberto Martins, que alías é mineiro, me deixava impressionada. Eu não queria acompanhar montagem de publicidade porque eu não achava graça nenhuma, aquela coisa toda formatada, que já vem com “story-board”, com um ritmo que tem que ser assim e tal. Eu não tinha interesse naquilo. Só que eu via esse cara fazendo cinema com aquele material. Então isso foi a minha escola, realmente, de cinema, de montagem. De cinema ,eu não diria porque eu tive aula com Paulo Emílio Salles Gomes, com Maria Rita Galvão, eu não tive a chance de ter aula, mas tive conversas nos corredores da escola, tive livros emprestados pelo Ismail Xavier - ele me emprestou livros de montagem que trouxe dos Estados Unidos, e não existiam no Brasil, com a maior confiança e generosidade. Eu tive pessoas boas enquanto pensamento de cinema. Mas a grande lição de montagem de cinema, essa construção que é a montagem ,eu tive com o Umberto. E acabei nunca indo pros laboratórios acompanhar as trucagens, que era o projeto inicial do meu estágio.


Mulheres: E que é um diálogo que ainda provoca polêmicas, não é? Entre o cinema e a publicidade. Principalmente para os críticos.

Cristina Amaral: De dentro eu mantenho essa crítica. Porque eu acho assim, a publicidade tem um compromisso, uma relação muito grande que é comercial, é o nome dela, é para vender.

Mulheres: Mas ela pode também...

Cristina Amaral: Poderia ser criativa.

Mulheres: Sim, mas no seu caso, houve uma interferência no seu olhar para essa arte e que veio desse campo.

Cristina Amaral: Veio desse cara, mas ele é uma exceção. A formação dele é do MAM, a formação dele é de cinema. A primeira pessoa que eu vi lendo um livro enorme do Glauber Rocha - “Roteiros do Terceyro Mundo” - foi o Uumberto. Ele chegou para mim e disse: “você já leu isso aqui? Você tem que ler comadre, como é que você não leu isso ainda?”. Entendeu a relação dele? Além disso, ele é um artista nato, um talento excepcional. E ele conseguiu, por essa paixão pelo cinema, não se perder durante a vida toda dele, porque 99% do tempo ele trabalhou em publicidade.


Mulheres: Agora, você não acha que nessa polêmica entre a relação do cinema e a publicidade, e é mesmo uma seara que tem que se olhar com mais cuidado porque são mesmo linguagens diferentes, há uma visão meio reducionista, mais de campo de guerra que de troca de diálogo?

Cristina Amaral: Eu fiquei quase um ano trabalhando com o Umberto, eu não tinha a menor vontade de trabalhar com publicidade, mas eu fiquei por causa dele. O que eu vi é que esse reducionismo não parte do olhar de fora, ele é interno, é uma coisa de fórmula, de cópia. Você se lembra da época que eles traziam a premiação do Clio? Os filmes que eram premiados no Clio eles exibiam aqui no Brasil. Era impressionante, era uma vergonha ver tanta cópia entre si. E o que se copia do cinema então nem se fala. Na verdade, não tem um processo de criação, quando existe, é muito raro. Você tem um orçamento que, em alguns casos, dá até para rodar um longa-metragem. Gasta-se película, há mais dinheiro de produção que para rodar um longa-metragem. E na hora que chega na sala de montagem, você tem que suar para fazer sair trinta segundos dali. É um negócio que não sou eu que estou reduzindo.

E tem uma coisa assim, a publicidade tem que ser sua, você tem que se promover , você tem que se produzir senão você não existe, você tem que estar ali em tal lugar senão você não existe. Você tem que ir para Trancoso no reveillion e chegar de jatinho senão você não existe. Sabe esse tipo de coisa? Infelizmente, um pouco desse comportamento, dessa atitude está hoje dentro do cinema também. É uma coisa que veio junto. E era insuportável porque são pessoas com as quais não dá para você fazer uma troca. O Ugo Giorgetti é um dos poucos caras que fazia - não sei se ainda faz - publicidade que consegue sair fora disso, mas porque também é um cara que tem uma formação cultural séria, e é muito inteligente. Eu o vi uma vez arrastar um montador de uma produtora de publicidade para assistir um filme do Etore Scolla, “O Baile”, que não tinha um diálogo sequer - e o cara disse: “imagina, que eu vou assistir um filme que não tem uma fala !”. Daí o Ugo disse “você vai ver ,senão você não monta mais meus filmes aqui”. Ele fez o cara ver.


Mulheres: Então, eu fiz essa pergunta mais como provocação porque eu conheço sua trajetória. E eu acho importante ressaltar isso porque você acabou vivendo um momento de exceção dentro desse universo, o que acabou, de certa forma, pontuando o seu trabalho futuro. Por isso acho importante você falar sobre essa relação entre cinema e publicidade.

Cristina Amaral: Na verdade, para mim era impressionante, porque eu via o material que a gente recebia e eu pensava, “não vai sair filme daqui nem tossindo, nem tossindo”. Aí o Umberto chegava, ele assistia, ele esmurrava a moviola, xingava, depois ia para casa e caía com febre, ficava doente. No dia seguinte, seis horas da manhã a gente tava na moviola, a minha casa era no caminho, ele passava, me dava carona. Quer dizer, as seis e meia a gente estava na padaria tomando um café, e às sete horas nós estávamos na moviola, e dali ele não saía. Às cinco da tarde ele tinha um filme, e eu ficava impressionada, eu ficava arrepiada de emoção em que ver o que ele fazia ali, porque ele inventava o filme ali. E, uma coisa que eu adorava, ele se recusava sequer a olhar os “story-boards” que as agências mandavam. Ele os jogava no lixo, na frente de quem os entregasse, e tinha uma frase maravilhosa : “O material é o rei”. E era em cima do material que ele trabalhava.


Mulheres: Depois disso, quanto tempo você voltou a assinar uma montagem?

Cristina Amaral: Aconteceu o seguinte, eu fiquei esse tempo com ele e meio que ficava fazendo free-lance. Nos lugares que ele trabalhava sempre tinha alguém fixo. Durante muito tempo, e isso é importante falar, ele me pagou do bolso dele, ele tirava do salário dele e me pagava, para não ter nenhuma interferência dentro das produtoras. Porque ainda tinha isso, quando eu cheguei é aquela coisa, chegou alguém novo, e eu comecei a perceber uns olhares meio estranhos. Aí eu disse para o Umberto que eu ia conversar com o pessoal e avisar para todos que eu não ia trabalhar lá, que eu estava apenas fazendo estágio, que nem se o dono da produtora quisesse me contratar eu ia ficar. Eu estava precisando trabalhar, mas eu não ira fazer isso, só estava lá por causa do estágio. Aí eu chamei um por um e expliquei que eu estava ali para aprender, que agradecia a generosidade deles por terem me dado aquele espaço, mas que eu não queria trabalhar lá.

Daí, quando apareciam trabalhos fora dali ele me pagava do bolso dele, porque não existia essa figura de assistente de montagem nas produtoras, o que tinha era finalizador fixo. Ele me pagava para a gente continuar trabalhando junto. Até que houve um momento em que o Enzo Barone, da CinemaCentro, chamou o Umberto para contrata-lo , e ele pediu para me contratar também. Daí eu comecei a conversar com o Enzo para ver sobre quanto eu ia ganhar, essas coisas.

Nesse meio tempo eu montei um curta do Denoy de Oliveira, ‘ Nós de Valor, Nós de Fato´, e fiquei com essa história de se o Enzo ia me contratar ou não. Daí a Raquel Gerber me chamou para fazer assistência de montagem no ‘Ori´, que era um filme que ela estava fazendo. Então eu cheguei para o Umberto e falei que haviam me chamado para fazer um documentário, um longa. Ele me olhou meio assim, mas entendeu. O Umberto é como um irmão para mim, ele foi muito generoso. Ele podia ter ficado muito puto comigo com isso, mas ele entendeu que aquela não era a minha praia. Ele vivia brincando comigo dizendo que queria ver o dia em que eu entraria para o “jet set” da publicidade, aquela coisa de ficar andando na moda. Ele entendeu e disse “Tá bom comadre, vá lá, é isso que você quer fazer”.

E eu também já não estava agüentando aquele ritmo porque eu não tinha uma vida própria. Publicidade era isso, sete horas a gente estava na produtora, oito da noite a gente estava jantando em algum restaurante e entre dez a onze horas eu era devolvida em casa para dormir e voltar no dia seguinte. Isso era sábado, era domingo, era o tempo inteiro. Ficou meio complicado, eu não conseguia ir ao cinema, eu não conseguia ver as pessoas com quem eu morava, eu não fazia mais nada a não ser trabalhar.

Eu fui fazer o “Ori” da Raquel, que foi um trabalho enorme, um processo de vida. Eu tenho na minha história esses trabalhos muito grandes, essas coisas muito intensas, mas que resultam em laços de afeto muito intensos também. A Raquel Gerber é uma pessoa que está sempre presente em minha vida, uma amiga, uma irmã, pra sempre.


Mulheres: A partir daí teve alguns hiatos ou deu-se uma continuidade?

Cristina Amaral: Deu continuidade, o hiato foi antes de encontrar o Umberto. Eu digo que eu tenho uns anjos da guarda afetuosos e poderosos, porque em momentos específicos, cruciais, eles apareceram, pessoas apareceram oferecendo mãos que foram essenciais.


Mulheres: Para você qual foi o seu primeiro grande momento como montadora?

Cristina Amaral: A partir daí vieram acontecendo coisas boas. Enquanto eu estava fazendo o “Ori”, o Umberto disse que tava bem, eu ia fazer aquele filme, mas me pediu prá ajudá-lo e montar um curta para ele, porque ele não ia ter tempo para montar. Era um filme do Gal (Pereira),que estava filmado, e ele não tinha dinheiro para fazer a revelação e o copião do material. Daí, o Umberto, quando soube do que se tratava o filme - era sobre a loucura que virou o Incor e o Brasil na época da morte do Tancredo Neves - bancou toda a finalização do filme, pagou laboratório, ampliação, cópia, e nós fizemos o trabalho de graça. Este filme é o “Operação Brasil”, que foi o meu primeiro prêmio. Quer dizer, foi o segundo, porque aconteceram dois no mesmo ano, e o “Operação Brasil” foi em um festival mais tarde.


Mulheres: Quais foram os prêmios?

Cristina Amaral: O “Operação Brasil” foi premiado no RioCine. Mas aí, para fazer esse curta eu me virei. Eu ficava das oito até as seis da tarde fazendo o “Ori” e daí eu ia para a montagem do curta. Eu ficava de novo naquele esquema das oito da manhã até as onze, ou meia-noite, fazendo os filmes. O prêmio que eu ganhei com o “Operação Brasil” , eu te digo que eu credito a responsabilidade do prêmio ao Umberto, porque ele deu o norte inicial do filme. Quando eu cheguei para montar ele já tinha montado a primeira seqüência e que foi definitiva para determinar o que seria o filme, poderia ser uma outra coisa, mas ali ele já tinha dado o caminho do filme. No final , eu fiquei esbodegada, e querendo descansar um pouquinho,depois desse filme.

Porém, uns 15 dias depois teve uma festa lá em casa e o Umberto chegou e me disse se eu não queria montar um outro filme. E eu, “Não!”. Mas ele ficou me dizendo que o filme era bacana, o cara era bacana, e começou a me contar sobre ele, e me convenceu. O filme foi o “Ma Che Bambina”, do Cecílio Neto. Daí eu montei esse curta também no mesmo esquema, ficava o dia inteiro e à noite por conta dos dois trabalhos - o outro continuava sendo o "Ori”.

Esses dois curtas eu tive que montar escondido da Raquel Gerber. As pessoas ligavam lá na produtora dela atrás de mim, ela atendia e dizia que eu não ia poder porque nós estávamos em um trabalho muito grande, e descartava ali (risos). Eu ouvia aquilo e não acreditava que ela estava fazendo isso, era muito engraçado, porque era ao mesmo tempo uma coisa carinhosa. Mas, como para o Umberto eu não podia dizer não de jeito nenhum, eu então fiz, mas escondido dela. Só que mentira tem perna curta, não adianta né? O que acontece?, No Festival de Gramado do ano seguinte, eu estava fazendo o “Ori” ainda, eu não fui para o Festival. Terminei o filme correndo para o Cecílio ir e ele foi. Eu nem estava acompanhando o Festival, e aí as pessoas começaram a me ligar porque tinha saído no jornal que eu tinha ganhado o prêmio de montagem de curta. E eu fiquei com aquela cara, e a Raquel dizendo “mas quando você montou esse curta?” (risos). Aí passa mais um mês e pouco e o Gal leva o “Operação Brasil” para o RioCine e ganha o prêmio de montagem também (risos). Foi a descoberta total, o maior vexame, realmente não dá para mentir.

E foi um susto também para mim, os filmes foram e se deram bem, foi bacana. Daí começou uma coisa boa na área de curta-metragem. Eu fiz muitos, mas eu continuei fazendo assistência em longas. Apesar de que no “Ori” eu fiz de tudo, eu ficava até com vergonha quando o filme era exibido com o tanto de vezes que o meu nome aparecia nos créditos. Porque era aquela coisa que acontece quando você abraça um projeto, abraça a pessoa, aparecia qualquer coisa para fazer e a gente ia lá e fazia.

Nesse meio tempo aconteceu uma coisa muito bonita também que é uma coisa dos meus anjos, dos meus amigos. O Denoy de Oliveira foi convidado para ir para o Festival de Mannheim (Alemanha), com o “Nós de Valor, Nós de Fato”. Com esse filme a gente ficou muito amigo. Eu já tinha feito assistência de montagem no “João Juca Jr”, que foi a segunda assistência de montagem que eu fiz e eu gostava muito dele e da Maracy. Eu e o Denoy ficamos amigos, a gente brincava, a gente ria muito, mas eu não tinha a dimensão do tamanho da amizade da gente, qual seria o papel dele na minha vida, o tamanho do coração dele.

Um dia ele me liga e me conta que tinha recebido esse convite. Como tinha um seminário junto a esse festival, eles tinham deixado em aberto para que uma pessoa pudesse ir com ele para participar desse seminário. E que essa pessoa tinha que ser estudante de cinema ou assistente de direção. Eu não era nenhuma coisa nem outra, já tinha saído da escola e era assistente de montagem. Aí o Denoy escreveu uma carta enorme, linda, justificando porque ele queria que eu fosse junto, e eles aceitaram. Daí eu fui com ele e dois anos depois eu voltei a esse festival. Foi uma coisa importante para mim, porque eu não tenho dinheiro para ficar viajando para a Europa e essas viagens abriram muito a minha cabeça, eu nem sei dizer em que medida, mas é essa coisa de você atravessar um oceano e ver que o mundo é maior.


Mulheres: Você não acha que o Denoy ainda não tem sua dimensão reconhecida pelo cinema brasileiro?

Cristina Amaral: Eu acho que não tem não. É outra pessoa que também faz muita falta, que tinha esse olhar generoso em relação ao cinema, compreensivo. E que enquanto trabalho tinha uma atitude humana dentro do cinema que se vacilar a gente perde agora, porque as pessoas estão tão automáticas, tão estratégicas para fazer cinema, que é um perigo quando você fica tendendo muito para esse lado. O Denoy era só coração, ele fazia, era o povo que ele amava, eram as pessoas que ele queria, era a ideologia que ele acreditava. Isso era, inclusive, um lado que a gente discordava muito, mas a gente conseguia ser muito amigos, em trocar idéias, mesmo tendo posturas políticas conflitantes. Quando eu encontro com a Maracy meu olho enche porque eu me lembro desse afeto, dessa família nova que eu ganhei junto deles, em ir de tarde tomar café com leite que ela fazia carinhosamente para a gente, uma coisa muito bonita mesmo.

E o cinema dele foi um cinema de uma época em que se viveu muitas dificuldades, falta de apoio total que o cinema brasileiro sofreu naquela época. E ele fez cinema nesse momento. Então é assim, se a gente não olhar esse cinema com essa dimensão... E teve seus momentos de ousadia, teve. Ele teve um trabalho que precisa ser mais bem olhado e mais respeitado, como muitos.


Mulheres: Quem falou dele carinhosamente assim como você também foi a Regina Dourado em entrevista para o Mulheres. Eu fiz essa mesma pergunta que fiz para você e ela disse que ele precisava ser redimensionado.

Cristina Amaral: É, a Regina trabalhou muito com ele. Ele tinha um compromisso com o cinema que ele fazia, ele tinha uma curiosidade, uma aceitação para as coisas que era muito bonito. E cinema, eu acho, é essa experimentação. Às vezes a gente acerta, às vezes a gente erra, cada filme é um, e é sempre uma coisa nova. Só dá certo, entre aspas, a fórmula, que é isso que estão usando agora, que é a fórmula do “blockbuster”. Você tem muito dinheiro para produzir, que é parecido com essa coisa da publicidade, daí alguma coisinha salva. É assim, se você quer inventar um diretor você pega alguém que tem acesso à patrocínios. Aí o cara levanta a grana, compra os direitos de um texto, contrata um roteirista, contrata um diretor de ator, pega um bom fotógrafo, uma equipe profissional e vai para o set dizer ação. Assim é fácil, é só para dizer ação e corta, né?

Aí depois você tem o equivalente ao orçamento de três longas-metragens em termos de dinheiro para lançar o filme, é a mesma fórmula do comercial. Você pega o sabonete x, enche a prateleira, passa o dia inteiro na televisão publicidade dizendo que o sabonete x é o melhor e está vendido. Só que não é necessariamente o melhor. Aliás, se a gente for olhar o cinema brasileiro, com raríssimas exceções, as nossas maiores bilheterias são dos nossos piores filmes. São raríssimos, talvez dê para contar nos dedos de uma mão. Daí, para mim, não é elogio um cara vir dizer que o filme dele teve tal bilheteria. Com essa parafernália por trás não é difícil, difícil é dar errado, porque isso é fórmula. Só que dois anos depois, esse filme não vai ter mais nada a dizer, porque já foi consumido, porque o seu limite já estava proposto.


Mulheres: Muitas vezes se fala que é um grande momento e o que se vê é que é um grande momento, mas de mercado.

Cristina Amaral: De mercado, de cinema não é, pelo contrário. A gente está em um momento delicado em termos de cinema.


Mulheres: É uma coisa complicada essa relação cinema e mercado, porque tem muita gente que olha o mercado primeiro.

Cristina Amaral. Sim. Eu acho que tem as duas coisas, só que você tem que dar as devidas dimensões para os seus devidos lugares. É só você pensar no parâmetro do cinema de Hollywood que você vê que eles não são estúpidos não. Tanto é que eles investem em escritores, eles investem em autores. Porque eles sabem que sem os autores aquilo tudo desaba. A cada cinco anos bate uma crise lá, o cinema americano em crise, porque esgotou o filão. Então eles sabem que precisam dos autores e aí vão importar de onde for. Agora eles andam importando também mão-de-obra, porque cinema americano para eles não é só mais o cinema que é feito nos Estados Unidos. É cinema americano que é feito como cinema americano, e daí pode ser feito aqui no Brasil, na Austrália, na Inglaterra, na China, onde for. È a estratégia cultural que está estabelecida.



Nessa segunda parte da entrevista, Cristina Amaral fala sobre seu encontro com o cineasta Carlos Reichenbach e faz uma bela homenagem a ele “Foi um divisor de águas na minha vida”, fala com emoção da montagem do primeiro filme da parceria, “Alma Corsária”, da epopéia que foi concluí-lo e da exibição histórica no Festival de Brasília.

Cristina Amaral conta também sobre o encontro com Andrea Tonacci “Trabalhar com o Carlão e com o Andrea foi a realização de dois sonhos” e sobre a produtora em que são sócios, a Extrema Produção Artística. Fala sobre a paixão pelo cinema dos dois e também o de Rogério Sganzerla, Júlio Bressane, Walter Lima Jr. e Glauber Rocha.

Carinhosa, homenageia colegas de ofício como Vera Freire, Idê Lacreta, Vânia Debs, Marta Luz, Virgínia Flores e Jordana Berg e faz homenagem especial à Lupe, precursora de todas elas. Acarinha a produtora Sara Silveira, as pesquisadoras Maria do Rosário Caetano e Ivana Bentes, e também Margarida de Oliveira, Patrícia Durães, Renata de Almeida e Flávia Miranda. E fala, claro, sobre a produção atual.



Mulheres: Quando a gente estava falando sobre o Denoy, você ia dizer sobre um momento importante seu e eu te interrompi.

Cristina Amaral: Então, a partir dali começou a chegar uma série de trabalhos legais com os curtas e eu continuei a fazer assistência em longa. Inclusive, eu achava que ainda não estava preparada para montar um longa-metragem. As pessoas me cobravam isso dizendo que eu já tinha prêmios em curta e ainda sem montar um longa. Só que um longa não é igual dez curtas emendados um atrás do outro. E eu acho que tudo aconteceu no momento certo também. Primeiro teve um filme,o "Sua Excelência, o Candidato", do Ricardo Pinto e Silva - e eu já havia feito isso no “Ori” - ,onde eu era a segunda unidade de montagem, apesar de ainda não ter pegado em um filme inteiro. O primeiro filme inteiro, o primeiro longa que eu fui chamada para montar, que, aliás, o Denoy fez uma cena de ciúmes porque ele queria que fosse dele, foi o “Causa Secreta” do Sérgio Bianchi, mas que eu não terminei.

Daí entra mais um anjo da guarda de plantão. Eu estava em casa, descansando, não fazendo nada, e então um dia me liga o Carlos Reichenbach. Desde a época da ECA, quando eu conheci o cinema do Carlão, via Paulo Emílio Salles Gomes , eu descobri o que eu queria fazer em cinema. Que era o cinema do Carlão, o cinema do Andrea Tonacci, o cinema do Júlio Bressane, o cinema do Rogério Sganzerla e o cinema do Walter Lima Jr, um cinema comprometido com a vida, com uma verdade pessoal . Esses caras me piraram. O Paulo Emílio nos apresentou esse cinema em suas aulas, porque muitos desses filmes nem entraram em cartaz direito. É claro que o Glauber eu já conhecia, que é essa coisa que a gente não consegue nem dimensionar no cinema, mas quando eu vi o cinema desses caras eu disse, “gente, não é contar historinha, é outra coisa. É o risco de viver com intensidade, com integridade.” E eu me apaixonei pelo cinema desses caras.

Mas aí era sonho, era o meu Olimpo, eu babava e ficava feliz quando tinha mais um filme deles para assistir, era essa relação. Eu jamais iria imaginar que eu fosse trabalhar com o Carlos Reichenbach, era um sonho. Eu nem verbalizava, eu jamais falei para alguém que eu adoraria trabalhar com o Carlão Reinchenbach antes de trabalhar com ele. Mas era uma coisa interna, minha. Com o tempo, mais tarde, na época do auge do curta-metragem, a gente estava sempre no MIS. O Carlão estava sempre por lá dando uma força para todo mundo. Eu acabei conhecendo ele pessoalmente e fiquei gostando mais dele ainda. Porque além dos filmes dele serem demais o cara era o máximo também. Uma pessoa generosa, maravilhosa, você conversa qualquer assunto com ele, ele é uma pessoa culta por paixão. Ele ama os livros , os filmes de que fala, é demais.


Mulheres: Ele é muito generoso.

Cristina Amaral: Muito, tudo que passa por ele, ele quer dividir. A gente se conhecia assim. E uma vez o Cecílio o chamou na moviola, a gente estava acabando de montar o “Wholes”, e ele chamou o Carlão para dar uma olhadinha, dar uns palpites finais. Ele só falou uma coisa e que foi essencial para o fecho do filme. Com o maior jeito, ele disse que estava muito bom, mas que a gente podia botar uma coisinha ali, e isso ajudou muito na resolução do filme.


Mulheres: Você foi premiada com esse filme, não é?

Cristina Amaral: Fui, em Gramado. Teve um dia depois quando eu parei de fazer o “Causa Secreta”, o Carlão me bipou . Eu vi um recado do Carlão Reichenbach e eu disse “Nossa!”. Eu liguei para ele e ele me perguntou se eu estava fazendo alguma coisa e eu respondi que não, que eu estava em casa. Na verdade, devia ter algum curtinha que eu estava mexendo. Aí ele me perguntou se eu não queria perder uma tarde com ele na moviola, e eu, “Claro”. Eu sabia que ele tinha ganhado um prêmio, acho que da Prefeitura, para fazer o “Alma Corsária” e estava feliz de saber que eu ia ver mais um filme do Carlão. Várias pessoas tinham me dito para procurar o Carlão para montar o filme dele e eu falava que isso não se faz, a gente não se oferece para montar um filme.

Ele me falou, ao telefone, que precisava selecionar um material em 16mm que ele iria ampliar para usar no filme e queria saber se eu podia ir com ele para separar esse material. Fomos à Beca e eu te juro que achava que eu só ia ajudá-lo a separar esse material e já estava muito feliz da vida por causa disso. Daí separamos, trabalhamos a tarde inteira, foi super gostoso. Quando já estávamos acabando ele me disse que tinha mais alguma coisa que queria falar comigo e me perguntou se eu queria montar o filme dele (risos). Só rindo, né? A sorte é que eu estava sentada, eu falei “Jura Carlão?”. Ele disse “Ta aqui o projeto”. Porque eu achei que eu só tinha ido lá mesmo para separar o material, porque eu sabia que o Eder Mazini montava os filmes dele, eles são superamigos, foram sócios, e daí pensava que e o Éder que fosse montar. Mas parece que ele estava trabalhando na Secretaria da Cultura na época, tinha algum impedimento, e aí o Carlão me chamou para montar o filme.

Aí eu voltei feliz para casa, mas de noite me deu um medo! Imagina se eu não consigo? Era o décimo filme dele, acho, como que eu vou trabalhar com um diretor que já tem dez longas-metragens? Já fotografou quarenta, como é que eu vou fazer? Fiquei em pânico. Daí foi passando, veio o Carlão com aquela generosidade dele, me deu o roteiro, que era lindo, nossa... eu acho que esse foi um marco divisor no meu trabalho de montagem. Com tudo que foi bom antes, com tudo que tem sido bom depois, mas esse foi o marco divisor. Porque aí a gente fez esse filme, mas eu não sei como ele e a Sara (Sara Silveira, produtora) conseguiram fazer. Não tinha nada de grana, era muito pouca grana, a gente teve que interromper o filme durante um tempo, porque não tinha dinheiro para continuar. Eu não sei como a gente viveu durante aquele ano, eu te juro que eu não lembro, eu não sei.


Mulheres: Isso foi quando?

Cristina Amaral: Isso foi 92 para 93. Durante o ano de 93 a gente montou o filme. Eu não sei, eu morava com a minha irmã, que segurou as contas da casa. Alguém ajudava a Sara, outro ao Carlão. Eu não me lembro de ter alguma sensação de lamento quanto à falta de grana, porque eu vivi aquele filme o ano inteiro. Era um universo que me permeou o ano inteiro e era só aquilo. Eu só me lembro do prazer de fazer esse trabalho, eu não me lembro das dificuldades. É engraçado, racionalmente, quando eu paro, eu me lembro, tanto que eu de digo que eu não sei como é que a gente viveu, foi muito difícil. Mas foi um prazer tão grande, uma coisa tão linda fazer esse filme. E o filme veio impregnado do carinho de toda a equipe, que também filmou com dificuldade. O trabalho da continuísta, o da assistente de direção, do que fez o som guia, dos atores. Cada fotograma exalava essa coisa afetuosa, esse desejo de fazer uma coisa bonita, isso foi impressionante.

E a gente foi fazendo. Foi também um processo de aprendizado, que foi outra coisa que o Carlão me ensinou. Além do carinho, do cuidado, ele foi me deixando à vontade para eu não ficar com medo e conseguir fazer o filme. Ele me ajudou em tudo, e a gente cumpriu todos os prazos, porque não podia passar um dia. Aí chegou um momento que o Donald Ranvaud soube que o Carlão estava fazendo um filme e mandou uma carta. Aliás, foi um fax o que ele passou para o irmão dele que mora aqui no Brasil, pedindo para que o Carlão entrasse em contato porque ele queria participar de alguma forma do filme. Eu me lembro que eu traduzi esse fax. Daí ele veio para o Brasil e pagou toda a finalização do som, o estúdio de som. Aí nós dublamos o filme, só que daí não tinha dinheiro para pagar a parte da montagem final , para poder depois voltar para o estúdio e mixar.

Eu me lembro de um dia em que a Sara, com aquele jeitão dela, seriíssima, brava, chegou dizendo que a gente ia ter que parar. Eu estava sentada na moviola com o Carlão ao meu lado. Eu olhei para a cara dela e disse “Mas de jeito nenhum!” E aí ela começou a brigar comigo “Tu vai pagar? Vai pagar as contas? Eu não tenho como pagar”. Eu falei “Dessa cadeira ninguém me tira agora, porque a gente tem isso até aqui pronto, até aqui tá pago,e a etapa que vem depois está paga também, eu não vou parar agora”. E ela perguntava para o Carlão como a gente ia fazer. Aí eu perguntei para o Carlão se ele topava e falei para ela pendurar a gente. Eu disse a ela "você tem crédito comigo e com a sala de montagem, algum dia você paga a gente, nós vamos fazer" .

Foi muito bom eu ter sido teimosa àquela hora, eu não costumo ser problema para produção nenhuma, mas ali eu saquei que era eu quem tinha condição de resolver aquela situação.A gente só precisava fazer o corte final do filme para poder voltar ao estúdio para a mixagem, que já estava paga pelo Donald Ranvaud. Ela estava fazendo o papel dela corretíssima, como sempre. Como não tinha dinheiro ela disse que ia parar, e não havia perspectiva de quando iria ter. Eu disse que dava o aval para a sala de montagem porque eu trabalhava com eles direto, fui eu que tinha levado o filme para lá. Comigo estava tudo certo e eu disse que íamos fazer. Como o Carlão topou, eu disse “Sara, tchau, deixa a gente trabalhar”. (risos). E aí terminamos a montagem do filme. A gente terminou, mixou, tudo sem perspectiva de dinheiro. Durante a mixagem a gente tomou uma puxada de tapete em um concurso que teve aqui em São Paulo, que eu não me conformo até hoje por ele não ter sido selecionado para finalização.

Mas tudo bem, terminamos de mixar o filme e ele ficou lá esperando ter dinheiro para terminar de vez. Foi quando teve o Festival de Brasília e, via Secretaria do Audiovisual, criou-se um apoio para os filme serem finalizados para participarem do Festival. Se eu tivesse parado lá atrás a gente não teria conseguido ir para Brasília. Deu porque a gente ficou uma semana no laboratório, o Carlão marcando luz, eu já tinha encaminhado pra montagem negativo antes, estava tudo preparado. Fiquei acompanhando a finalização de montagem negativo, encaixar truca, essas coisas, e o Festival correndo lá. A gente ia passar o filme terça-feira no festival e saímos com ele no domingo daqui. Sábado saiu a cópia e no domingo saímos cada um com duas latas no colo (risos), porque eu não quis despachar e o Carlão também não quis. A Sara dizia,“Vocês são loucos! Imagina viajar com as latas na mão! Vamos perguntar para a moça no balcão de embarque, É super seguro despachar!” Fomos falar com a moça no aeroporto e ela não nos deu garantia nenhuma e eu disse “vamos levar as latas, vamos seguir o que o Glauber dizia , as latas vão com a gente, no colo”. Chegamos lá com as latas nas mãos e na terça-feira o filme foi exibido.

Teve a primeira exibição, que foi para o público e a imprensa junto, porque não fizemos nenhuma antes. E foi uma das coisas mais fortes que eu já vivi na minha vida também. Eu sabia que estava tendo problema na projeção, um dos projetores estava com problema de som, então eu subi e fiquei na cabine, não fiquei na platéia. Eu fiquei o filme inteiro na cabine. Eu vi que o cinema estava lotado e que ninguém tinha saído da sala. A gente estava morrendo de medo porque tinha ficado uma expectativa, as pessoas esperando a semana inteira o filme do Carlão em Brasília. A gente sabia o filme que tinha feito, mas é sempre uma incógnita, ainda mais quando se cria muita expectativa, você tem mais chance de decepcionar.

Lá de cima eu olhava, mas não via a recepção da platéia. No entanto, eu vi que não tinha saído uma mosca da sala de cinema. Na hora em que desci, parecia que tinha acontecido sei lá o quê dentro daquela sala. As pessoas não saíam, tinha gente chorando pra tudo em quanto é canto, o que veio de gente me abraçar, foi uma coisa. O Carlão levou duas horas para conseguir sair do saguão do cinema. A gente querendo ir comer, com fome, e ele não conseguia sair porque cada hora vinha alguém falar com ele. Foi uma coisa impressionante.

No dia seguinte, como a imprensa só tinha assistido na noite anterior, não saiu matéria nenhuma. No outro dia, eu estava dividindo quarto com a Sara no hotel, o Carlão liga para lá, acorda a gente aos prantos e chama para irmos ao seu quarto para ver os jornais. Ele estava com a cama forrada de jornais com matérias enormes e eu te digo que foi a partir daquele momento que a imprensa brasileira passou a respeitar o cinema brasileiro. Teve uma mudança e isso eu falo não é por paixão pelo filme, não é não, porque eu tenho um arquivo em casa de recortes de jornais sobre cinema brasileiro. E eu me lembro como o cinema brasileiro era tratado antes.

Daí teve aquela confusão com o Collor (Fernando Collor de Mello, ex-Presidente), final de Embrafilme, aquela panacéia toda, aquele hiato em que ficaram sós os curtas-metragens. E a postura era: cinema brasileiro não vi, não gostei, não vou ver. Só que ali houve uma atitude de respeito. Até quem não gostou do filme falou com respeito, porque não é só ficar paparicando, isso não ajuda também. Teve uma mudança de atitude ali. Depois foi a premiação, foi tudo lindo, foi muito bonito aquele Festival e a história desse filme todo. A partir dali o meu trabalho deu um salto, deu uma alteração mesmo a partir dali.

E, outra coisa que eu ia esquecendo de dizer, que o trabalho com o Carlão provocou uma outra linha divisória na minha vida, que é o seguinte: as pessoas gostam de justificar falta de educação, falta de respeito pela genialidade. Dizem assim, “o cara é insuportável, maltrata todo mundo, é grosso, neurótico, mas é genial”. E eu digo, o Carlão é a prova do contrário, porque ele tem um trabalho totalmente autoral, é um criador assombrosamente talentoso, e é absolutamente agradável, amoroso, gentil, amigo de sua equipe. É o primeiro a manter a calma, é o primeiro a buscar solução para os problemas. Eu costumo dizer que o Carlão “estraga” a gente, porque se antes eu já não aguentava muito, depois de trabalhar com ele eu não suporto nem um pouco gente chiliquenta ou neurótica. Existem pessoas instrumentalizadas para lidar com isso. Eu fiz curso de cinema, e não psiquiatria, não sei como lidar com isso, não trato ninguém mal , e gosto mais da minha saúde.


Mulheres: E você virou parceira oficial do Carlão.

Cristina Amaral: Virei e serei enquanto ele quiser, com o maior prazer. Nós fizemos “Dois Córregos”, alguns curtas, o “Olhar e Sensação”, o “Equilíbrio e Graça”, fizemos alguns videozinhos também, um para o Guarnicê de brincadeira, que é superbonitinho. Daí fizemos o “Garotas do Abc”, o “Bens Confiscados”, vamos fazer o “Lucineide Falsa Loira” e o que mais ele quiser. O Carlão tem uma expressão muito bonita para as pessoas muito amigas, e eu vou emprestar esssa expressão, que é "irmão de universo". É isso, ele é um irmão meu de universo, e hoje , a Ligia, a Eleonora, o Luís e o Leonel fazem parte desta minha família cósmica. Eu fico com saudade quando passo 15 dias sem falar ou saber deles.


Mulheres: Agora, uma coisa que você já até permeou e que eu também concordo. O cinema tem vários componentes e todos eles importantes, cenário, figurino, atores, etc. Mas a montagem é meio o coração do filme, porque é o momento em que o diretor e o montador vão dar o olhar final daquele objeto filmado. A partir disso, já aconteceu de você ser convidada a fazer uma montagem de algum projeto que em princípio você não se interessaria, mas acabou fazendo? Ou que você tenha recusado? Aconteceu isso alguma vez?

Cristina Amaral: Já teve coisa que eu recusei. Agora, na verdade, eu não tenho problema, por exemplo, se o cara diz que seu filme está super problemático. Eu monto primeiros filmes direto e gosto de fazer isso. Eu continuo montando curtas de vez em quando, porque não tem dado muito tempo. Nunca dá para sentar e dizer “vou montar”. Eu sempre peço para deixar eu olhar para ver o que é aquilo, o que está me dizendo, escutar o que o diretor está pensando. É um processo de conhecimento o tempo inteiro. Às vezes há um filme que parece que não vai dar nada, que em termos de resultado fica problemático, mas que o processo de trabalho é muito rico. Então me interessa esse processo de aprendizado. O resultado é bacana, mas para mim o processo é que é mais importante.

Foram poucas as vezes em que eu recusei, em alguns casos eu tive que recusar por falta de tempo. Só se fosse alguma coisa que eu considerasse muito sórdida em termos de comportamento humano, fosse execrável, tem que ser muito filha da puta para eu não querer fazer. Porque se eu perceber uma carga de humanidade, de intenção decente, não tem porque não ir junto.


Mulheres: Dos filmes que estão sendo mostrados hoje, dos últimos, o que você gostou?

Cristina Amaral: Na verdade, dos últimos eu vi muito pouco. Esse ano foi de trabalho muito intenso, começando às nove da manhã e indo até às nove, dez da noite. Então eu só consigo ir é lá na Sessão do Comodoro (risos) – (sessões mensais organizadas por Carlos Reinchenbach com filme alternativos e clássicos). Mas eu vi pouca coisa, às vezes na tela da televisão, quando passa. E vi muito pouca coisa interessante. É complicado porque eu tenho visto as pessoas soltando fogos de artifício por pouca coisa. Eu acho que a gente sempre deve ter uma atitude mais austera, porque eu costumo dizer que só a ignorância faz a gente se sentir genial. Porque se a gente for olhar o que já foi feito pra trás, o monte de coisa que já foi feita, que está sendo feita, e imaginar a quantidade de coisa que não temos condição de assistir a gente se põe no nosso tamanho. O Ugo Giorgetti, que é muito engraçado, costuma dizer “Sempre que eu acordo muito cheio de mim eu pego algum filme muito bom para assistir”.

Tecnicamente, eles estão sendo bem realizados, mas é uma coisa de recurso financeiro. A produção dos filmes antes não tinha condição, a gente não tinha os laboratórios com condição, faltavam recursos técnicos para conseguir algumas coisas, em termos de resultados para o cinema brasileiro que hoje tem. Tem até menos pelo cinema brasileiro e mais por conta de um projeto de invasão que a gente sabe.

Vou desviar um cisquinho só. Quando eles começaram a descer as multisalas aqui no Brasil, era uma época em que se reclamava muito, que a bilheteria dos filmes estava baixa, que os filmes não conseguiam se manter muito tempo nas salas. Não era um momento grandioso, como não é até agora se você pensar em termos de público geral para o cinema. E me estranhou, eu me lembro que um dia comentei que achava engraçado que não fazia muito sentido em um momento que você está com baixa clientela, você aumentar as lojas. Não tem muita lógica, mas se você pensar nessa lógica normal, comercial. Agora, se você pensa em termos de uma estratégia de invasão, de tomar uma posse maior, faz todo sentido, que é preparar o terreno.

Foi isso, e como foi preparar o terreno em várias coisas, como é dentro dos laboratórios. Tem laboratório que a gente pensa que é brasileiro, mas se for ver ele é todo monitorado pela Kodak, via Nova York, via Chile, via Argentina, entendeu? E a gente está aqui achando que estamos com a bola na mão, com as rédeas na mão. Sem contar com a interferência nos cursos de cinema, e isso é mais sério ainda. Que é para formatar profissionais para uma coisa que eles precisam.

Então é assim, a gente sabe que o cinema americano, eles vêm aqui, não é só distribuidor que tem a sala, a gente sabe que não é só isso. O Denoy uma vez me mostrou uma carta que o Concine recebeu do Jack Valenti, quando era presidente da Motion Pictures. Era uma coisa de uma ameaça, de uma chantagem, estava chantageando mesmo, porque era uma época em que o Brasil ia começar a fazer a legislação para o vídeohome. E eles já ligaram as antenas e caíram no Concine, tem uma carta ameaçando “vocês também querem vender sapatos aqui”. Talvez eu tenha em casa cópia dessa carta.

Eles têm sempre alguém morando aqui, seja no Rio de Janeiro, seja em Brasília. É uma coisa que vai via governo, via congresso, é via legislação que eles agem. Quando se fala de projeto, inclusive essa tentativa de barrar esse projeto que está super malhado por todos os lados agora, a Ancinav é o que tenta brecar isso. O projeto anterior era você criar condições legais para que eles venham, porque ilegalmente eles já estão aqui. Já estão filmando. Tem produtoras de vídeo que são testa-de-ferro de produção americana aqui direto.

Não precisa ser muito investigador para ver essas coisas, toda hora você ouve falar de produção não sei de onde. Agora pergunte se foram lá pedir autorização, não foi. Agora, só que é melhor vir respaldado, principalmente quando você tem uma legislação de captação de recurso de isenção de impostos, aí fica beleza. Porque antes não interessava, senão eles tinham que trazer dinheiro de fora para isso. Agora pegam o que está aqui e usam, inclusive, brasileiros testa-de-ferro para isso, e fazem de conta que estão fazendo cinema brasileiro.

Tem toda uma coisa montada atrás disso. E aí o que acontece, vai-se formatando tudo, roteiro tem que ser assim, vai-se trabalhando todas as áreas possíveis. Em termos de laboratório a gente já trabalha com essa tecnologia que é imposta, dentro de um esquema que é todo imposto por eles. Se a gente não mantiver um olhar da gente pelo menos, não precisa fazer. Fazer cópia não é melhor que o original, então não precisa fazer cópia. Porque parece que o projeto para o Brasil é virar cineasta de aluguel, é entrar para concorrer ao Oscar. Não pode ser isso.


Mulheres: O Oscar virou um objetivo para muita gente.

Cristina Amaral: E desde quando? Desde quando eu me conheço por gente no cinema, era o contrário, exatamente o contrário.O Oscar sempre foi a “festa” da indústria deles. Se a gente pegar os filmes maravilhosos que ficaram de fora, para quê? As porcarias que ficam, a gente sabe que não é isso, a gente sabe que é grana, a gente sabe que se você tem dinheiro para fazer lobby lá, você entra. E entra para fazer papel de jeca, e é isso que é mais engraçado, porque o “star system” deles é profissional, eles não dão moleza para ninguém.


Mulheres: A Ancinav foi muito combatida.

Cristina Amaral: Claro, claro. Não sei nem se acontece. Primeiro a gente tem que voltar para a questão, o que é cinema, o que é imagem. Uma vez eu fiz um workshop, que era com um cara do National Filmboard do Canadá. Foi na época em que estava começando essa coisa dos efeitos especiais, imagem digital. E o começo foi para trabalhar com os efeitos especiais, conseguir um melhor resultado, que até barateava.

Eu me lembro que ele veio, mostrou, e um tonto qualquer, um deslumbradinho, disse “Escuta, se você vai rodar em película, tem que passar para vídeo, digitalizar, para depois fazer os efeitos, porque você já não faz em vídeo?”. Aí, esse cara do Canadá respondeu com a maior solenidade e disse que o Instituto de Cinema do Canadá tem, entre outras funções, além de ensino, divulgação e pesquisa, a função de preservação da imagem do Canadá, e isso só se faz em película.

Nesse caso eu estou falando mais de uma questão técnica, mas se você tem consciência, e ninguém tem mais consciência que os americanos, para eles é o segundo exército, se não for o primeiro. A Europa sabe disso, a China sabe disso, esses países todos sabem disso, Aqui é que fica essa conversa. A primeira era que tinha que chegar a captação de recurso, porque o governo não pode ficar tendo que apoiar a cultura , que tem ser uma livre iniciativa, essa papagaiada toda. Não é a mesma coisa que eles têm lá, eles se defendem mais que ninguém, só pra gente que é vergonha defender sua casa, seu terreno. E pior, construir sua própria casa. Estão nos impedindo disso, pois se você forma uma geração que acha que bacana é fazer um filme igualzinho o filme da moda do ano passado você destrói a cabeça de vinte anos de um país. Ou quando se tentar jogar no esquecimento a obra de autores como Luís Sérgio Person, Roberto Santos, Joaquim Pedro de Andrade , e mais outros tantos. Basta uma projeção de "Terra em Transe" ou de "Macunaíma", ou de" São Paulo SA" para botas as coisas no seu devido lugar e tamanho. Sabe essas coisas, de gente que não quer olhar para o cinema que foi feito?

Eu não posso te afirmar, mas eu tenho um sentimento que há uma atitude que é quase levar para o esquecimento um certo cinema que já foi feito aqui. É como se fosse assim, agora, a partir daqui, nós é que fazemos, nós é que somos bacanas.

Eu não quero dizer para ninguém que tipo de cinema tem que ser feito, acho que todos têm que ser feitos. Mas tem que ser dado a dimensão exata para as coisas. Então se você quer fazer entretenimento faça, não tenho nada contra. Mas não venha achar, não vá comprar abertura de festival e ser exibido como o filme do ano daquele festival. Porque aí vira outra coisa.

Eu acho, inclusive, que está na hora de se resgatar, de um falar um pouco dos Trapalhões e da Xuxa. Porque durante muito tempo eles fizeram isso, eles foram lá, levantaram a grana que eles precisavam, ganharam um monte de dinheiro e tiveram as melhores bilheterias. Se são bons ou não os filmes, eu nem vou entrar no mérito disso, mas foi uma atitude menos cínica e arrogante, do que o que a gente está tendo agora. Que é a do cara que a gente sabe que não foi ele que fez, mas ele chega lá e compra a capa do jornal. Eu acho que está faltando um pouco mais de seriedade, até para o país. Tem alguns filmes, inclusive, que são completamente arrivistas, absolutamente reacionários e fazendo de conta que não são. Nós estamos com a Lei de Gerson nas telas, isso é muito sério.

A gente tem que pensar, a gente tem que falar da responsabilidade do que estamos fazendo. Às vezes tem filmes que mexem tanto com a gente, que é uma puta responsabilidade. Por exemplo, quando você está montando um documentário, uma entrevista de uma pessoa, você sabe que você pode alterar completamente o que ela disse, você pode fazer ela dizer o contrário do que ela disse, se você não tiver responsabilidade e ética no seu trabalho, e isso é uma coisa que a gente sempre tem que ter.

O filme que me mexeu dos últimos foi o “Filme de Amor”, do Júlio Bressane. Ali você tem uma coisa que te move, que te instiga, tem uma beleza, uma poesia que enobrecem o cinema. São poucos os filmes que têm isso. Eu nem posso te falar muito, porque eu não vi muitos filmes que estão em cartaz. Eu quero ver o filme do Eduardo Coutinho, porque eu acho que é uma pessoa que sempre tem o que mostrar, o que dizer, que nos ajuda a questionar, a tentar entender o Brasil. O do João Moreira Salles, que é um cara que eu respeito. Quero ver sempre os filmes do Domingos de Oliveira, que faz um cinema que transita maravilhosamente entre o entretenimento e a reflexão - o entretenimento não precisa ser emburrecedor, não precisa reduzir a nossa dimensão de humanidade. Eu vi pouco, mas o que eu vi foi desanimador, apesar dessa euforia toda nos jornais.


Mulheres: Fale sobre a Extrema.

Cristina Amaral: A Extrema é outro carinho. É engraçado, porque com o Carlão e com o Andrea eu me sinto cumprindo dois sonhos. Porque foram dois dos cineastas que eu conheci durante o curso de cinema, eles não são tão mais velhos do que eu, mas são de uma geração que começou muito jovem, fez tudo muito jovem. E eu me lembro que foram referências que ficaram sempre na minha cabeça, eu segui o trabalho deles. Foram raras vezes em que o “Bang Bang” foi exibido que eu não fui assistir. O Andrea até briga comigo “Você vai ver de novo?”, e eu vou. E parece que eu estou vendo sempre pela primeira vez.

Eu fui seguindo sempre, mas eu não tinha o menor contato com eles. Quando eu estava montando o “Alma Corsária”, o Carlão convidou o Andrea para ver, a gente estava quase terminando. Estava na etapa final de corte e ele o chamou na moviola, porque tem uma seqüência que homenageia o “Bang Bang”, que é a Carolina Ferraz dançando no topo do prédio. Foi linda a projeção, o Andrea chorou de emoção, ele não esperava jamais, foi uma surpresa para ele. Aí, a gente conversou um pouquinho. Quando a gente entrou na mixagem ele também foi lá dar uma olhadinha.

Tempos depois, eu estava quase terminando de mixar o filme e encontro o Joel Iamagi, um amigo em comum que, inclusive, fez um vídeo sobre o Andrea, e ele me perguntou se o Tonacci tinha me ligado. Eu disse que não e ele me contou que o Andrea tinha pedido meu telefone e que ele imaginava que seria para eu montar algum filme dele. Eu disse “Jura?”. Mas aí ele não ligou e eu fiquei quieta no meu canto. Depois ele me ligou, com aquele jeitinho também, me perguntando se eu toparia montar o filme dele. E eu, “Claro!”.

Ele e o Carlão são dois lordes, de uma gentileza, são pessoas que têm realmente uma qualidade de ser que é muito bonita. Ele quis saber se eu já tinha terminado o filme do Carlão, para não interferir. Aí eu comecei a montar um filme dele, que, aliás, ainda não foi finalizado, que é projeto chamado “Paixões”. O filme está pré-montado. Nós ficamos amigos, a gente sempre se encontrava, na casa da Sara ou na do Carlão, ou no Mis.

Ele foi fazer uns trabalhos para a Bienal de São Paulo, uns vídeos de arte para aquela exposição sobre o Século XX e me chamou para ajuda-lo a fazer. Nós ficamos fazendo uns trabalhos juntos, e aí começou essa história de mudar o sistema de montagem para computador. Eu fui montar um filme no Avid e odiei. Gente, não vai dar, aquilo é para escrever. Chegava em casa com a vista doendo. Os equipamentos de cinema foram construídos levando em consideração o funcionamento do corpo da gente, tanto a projeção de cinema, a câmera, a moviola, eles têm um batimento que descansa o olho da gente. E tem o tipo de projeção, na moviola você tem uma coisa que é projetada numa tela e você olha a tela, não é uma coisa que é projetada na sua cara. Meu Deus, que bode que deu, eu me perguntava como é que seria, e um monte de gente dizendo que a moviola ia acabar.

Um dia o Carlão me apresentou um folhetim de um equipamento chamado Lightworks, que o Donald Ranvaud tinha mandado para ele e que funciona como uma moviola. Eu comecei a procurar, aqui ninguém tinha , ninguém conhecia, e o Andrea se interessou e começou a procurar junto. Ele estava a fim de voltar a produzir, tinha esses trabalhos na bienal, e muita coisa poderia ter sido feita internamente se a gente tivesse esse esquema de finalização.

Com isso nós abrimos a sala, a Extrema. Isso foi em 1997, depois eu fui para Los Angeles, na fábrica do Lightworks, fazer o treinamento do equipamento.


Mulheres: Aqui vocês já fizeram vários projetos, não é?

Cristina Amaral: Sim, fizemos muitas coisas, a partir dali fizemos tudo juntos, e tudo o que fiz foi aqui. O Umberto tinha uma moviola que ele já tinha deixado comigo, então nela eu montei vários curtas. Eu trouxe essa moviola também e abrimos a produtora. Ficamos um ano nessa sala, depois um tempo no apartamento do Andrea, e depois mudamos para cá.

O Andrea dirigiu recentemente “Serras da Desordem”, filme que nós estamos montando agora. Como todos os trabalhos que fizemos juntos, este tem sido muito árduo, trabalhoso, intenso, complexo para chegar ao que temos de mais simples e mais comum, que é a humanidade, que nos irmana e nos torna iguais. Chegar ao simples, à essência da gente é sempre o mais difícil. Aí é que a gente vê como o olho da gente vive poluído, a cabeça vive poluída, cheia de superficialidades. Como sempre, para mim, tem sido um aprendizado muito grande, de cinema e de vida.


Mulheres: Seu próximo projeto é o novo longa do Carlão, ou tem alguma outra coisa?

Cristina Amaral: Além do filme novo do Carlão, tem alguns projetos muito bonitos e interessantes, mas eu prefiro não falar das coisas antes delas estarem acontecendo. Inclusive porque, pela realidade de produção no Brasil, a gente nunca consegue ter uma previsão exata de prazos, etc


Mulheres: Uma coisa que eu sempre pergunto para as minhas entrevistadas: qual mulher você gostaria de citar, de homenagear, que você admira no cinema brasileiro, de qualquer área e época?

Cristina Amaral: Tem várias. A Sara Silveira é uma, na produção. A Maria Ionescu também, porque ela e a Sara juntas configuram uma balança de equilíbrio perfeito, de competencia, de garra, de seriedade, de energia, de calma, de honestidade. Nossa, tem muitas. Nós temos grandes atrizes. Tem que pensar para não cometer nenhuma injustiça. As pesquisadoras Maria do Rosário Caetano e Ivana Bentes pela inteligência, pela coragem, seriedade, conhecimento e dedicação. Com o olhar amplo, profundo e generoso que estendem sobre o cinema e a cultura brasileira, elas contribuem de forma instigante para que seja resgatado ao papel da crítica o trabalho de complementação e acréscimo de sentido e de valor às obras de que falam.

Na divulgação, promoção, e exibição, eu citaria a Simone Yunes (Cinesesc), Margarida de Oliveira e a Flávia (ProCultura), a Patrícia Durães (Espaço Unibanco), a Renata de Almeida (Mostra Internacional de Cinema) que, aliam alegria, doçura, muita competência, muita seriedade- geram e gerem projetos, espaços, intercâmbios.


Mulheres: E na montagem?

Cristina Amaral: Nós temos várias montadoras. Eu até quero usar esse momento para homenagear a Lupe, que foi a primeira montadora do cinema brasileiro. Outro dia ela veio aqui, porque o Mauro Alice montou o filme da Elza Cataldo aqui, o “Vi-nho de Rosas”, e a Lupe veio visitar. Nós mostramos o computador para ela, mostramos a casa. É uma pessoa que eu quero homenagear. Agora, nós temos várias montadoras, tem a Vera Freire, Idê Lacreta, Vânia Debs , Marta Luz. Tem a Virgínia Flores que eu adoro, que montou o “Filme de Amor”, e outros do Júlio Bressane, que é uma montadora maravilhosa. Mais recente também tem a montadora dos filmes do Eduardo Coutinho, a Jordana Berg, que é também maravilhosa. Dessa nova geração eu tenho a maior admiração por essas duas.


Mulheres: Alguma coisa que você queira acrescentar?

Cristina Amaral: As coisas básicas mesmo que são importantes para a gente falar é isso, é ética, é sinceridade, é as pessoas, mais do que procurar estratégias que vão dar certo, procurar estudar, aprofundar a sua expressão. A gente tem que abrir, sair mais da gente e olhar as coisas que estão sendo feitas. Tem pessoas muito sérias fazendo cinema no mundo.

Outro dia eu estava falando para o Andrea, ou para o Carlão, que está um instante tão estranho aqui que ás vezes parece que as parcerias da gente estão longe. Um dia , durante a última Mostra Internacional , eu vi uma palestra do Amos Gitai e disse “é isso”, eu senti uma ressonância muito grande entre o cinema que ele professava naquele momento, e uma coisa muito sentida aqui. Sabe quando você reafirma uma coisa que parece que escapou e que a gente sabe que faz parte do dia-a-dia de muita gente aqui no Brasil? Parece que tem um manto estranho sendo colocado por cima para até esconder essa coisa que é realmente a expressão, a seriedade, que é o porque que a gente faz cinema.

Em um país como Brasil, onde o cinema custa tão caro, se você imaginar um filme de baixo orçamento que você faz por um milhão e meio suando, é muito dinheiro. Não é que eu acho que é muito dinheiro para um filme, mas é que a gente tem que fazer valer isso e ser mais que isso. Porque não é só para o cara que produziu botar o dinheiro no bolso ou o cara que entre aspas dirigiu e sair no jornal para resolver o problema de ego que ele deveria resolver na terapia. É mais responsabilidade que isso. É filme para que daqui há cem anos as pessoas assistirem e terem alguma comunhão ainda com o que está lá na tela.

Eu fico meio com medo, preocupada, me entristece um pouco pelo pessoal mais novo que já começa com essa imposição em cima deles, não estão tendo a chance de sonhar, de errar. A gente erra o tempo inteiro, até hoje eu não sento para montar um filme com certeza. E os grandes diretores, os de verdade que eu me sentei ao lado deles, também. Eu vejo a captação, a expressão de uma angústia, de um sentimento interior de um país, que é mais do que de uma pessoa, é sempre muito maior que o cara. E é o contrário, tem a dúvida, a busca, sem isso não há muito porque fazer cinema, não há muito porque fazer arte. È muito delicado fazer desse jeito e no trabalho de montagem você tem muita proximidade com as pessoas, é muito íntimo. A cabeça da pessoa fica muito presente.

Há um momento que parece que acende uma luz e o filme se revela para a gente. Durante muito tempo você fica quase tateando no escuro, é cheio de labirintos, mas tem uma hora que acende uma luz e você vai junto, não dá muito erro, ele se revela para a gente. Então, nesse momento, são duas cabeças atrás de um mesmo olhar ou dois olhares atrás de uma mesma cabeça. A gente tem que conseguir chegar nessa comunhão, nesse nível de cumplicidade para realizar o trabalho.

Eu vou repetir aqui uma frase que eu costumo dizer, e que na primeira vez que eu disse eu levei um susto, saiu assim. Fazendo o trabalho de montagem, quando se está no meio, já mergulhada no filme, uma vez me deu um certo constrangimento, me deu uma sensação de estar invadindo uma alma sem pedir licença. Aí depois eu parei e me indaguei o que era aquilo que eu tinha falado, que coisa séria. Mas na verdade, é um pouco isso mesmo. O que é um filme, quando é essa coisa intensa, séria? É a expressão de uma visão de mundo, que no fundo é alma da pessoa. De repente eu estou compartilhando, de uma certa forma eu estou me revelando também. É um desvendamento de ambas as partes, o processo de trabalho é sempre revelador da gente.

Isso tudo é muito sério, se o que você está colocando ali não é honesto, não é sincero, é uma estratégia apenas para fazer o cara ir lá pagar, você deteriora a relação que você estabeleceu com o seu trabalho já no começo. É buscar de novo essa coisa intensa. É preciso muito cuidado, porque o som é energia que vai embora, a imagem impregna na cabeça, na vida das pessoas. Esse cuidado, essa atitude mais humana mesmo e menos estratégica é essencial manter. Na hora em que entra a estratégia ,a criação vai embora.


Mulheres: Muito obrigado pela entrevista.

Cristina Amaral: Eu é que agradeço.

Entrevista realizada em janeiro de 2005